Eram perto das quatro da manha quando acordei sobressaltado com um barulho na sala. Pelo som consegui identificar um sem número de pequenas peças metálicas espalhadas pelo chão. A única reacção que eu consegui ter aquela hora da manha foi virar-me para o outro lado e tentar voltar a adormecer. Fosse o que fosse que a gata tivesse deitado ao chão certamente quando me levantasse ainda lá estaria, à minha espera, para arrumar. E assim, na esperança de que este episódio não passasse de um sonho, voltei a adormecer.
Quando me levantei, após a minha rotina matinal, pude constatar que tinha a minha caixa de parafusos espalhada pelo chão. Sentei-me e comecei a juntá-los para os poder arrumar. Esta tarefa pode ser feita de duas formas: a primeira é arranjar um frasco jeitoso e meter tudo lá para dentro, a segunda é pegar numa caixinha de compartimentos e com alguma paciência organiza-los. A segunda hipótese além de ser esteticamente menos repugnante também aumenta a probabilidade de algum deles vir alguma vez a ser usado. Então mãos à obra: toca a apanhá-los e a separa-los. Primeiro separamos os parafusos das porcas e dos pregos. Depois nos compartimentos distribuímos parafusos autoroscantes para madeira, de rosca normal para madeira, de rosca normal para bucha, pregos de aço para cimento, pregos regulares para madeira e acabaram-se os compartimentos. Ainda faltam as porcas, as buchas e mais um sem número de peças que poucos conseguem identificar.
Tentar organizar uma caixa de parafusos é como tentar arrumar as ideias na nossa cabeça. Quando mais pensamos no assunto mais complexa a tarefa se torna. E para aqueles que já estiveram perto de completar uma destas tarefas sabe que a ultima peça a aparecer nunca se encaixa em nenhuma das categorias organizativas que criámos. E é ai que a realidade física se torna mais fácil, deita-se o parafuso intruso fora e assunto arrumado. O problema é quando se trata da nossa realidade emocional. Infelizmente ainda não consegui fazer um up-grade do meu cérebro para adquirir a função “Delete”.
Apesar de já se terem passado alguns dias desde o incidente com a festa de família, que vos relatei, as ideias na minha cabeça ainda não estão completamente assentes. E quanto mais eu penso nelas e as tento arrumar, mais caótica fica a minha cabeça. A sensação, depois de uns momentos de introspecção, é a mesma que temos depois de olhar para um frasco de parafusos numa prateleira. Alem de esteticamente ser deprimente ficamos sempre com a sensação, mesmo quando não corresponde à realidade, que os parafusos estão ferrugentos e a precisar que alguém os leve para a reciclagem.
No fundo o meu problema é desejar utopicamente sentir-me integrado numa família. Todos nós, enquanto animais, nascemos com o instinto de procurar a protecção perto dos nossos progenitores e como seres humanos tentamos alargar este sentimento de segurança à nossa família. Mas quando as vivências são diferentes, a maneira de estar perante a vida também é diferente. E quando isto acontece temos que por de parte a ideia padronizada de que uma família unida é aquela em que todos participam e divertem-se em rituais, nomeadamente os almoços de família e contextualizar o conceito. Pessoalmente acho que o meu conceito de família passa pelo respeito que as pessoas demonstram pela personalidade e espaço do próximo. Só quando uma pessoa sente que os seus princípios e a sua vivência são respeitados é que pode se sentir integrado no seio de uma família unida.
Só para deixar claro: não me considero a vítima da situação. Até porque felizmente gozo da minha liberdade e consigo, contra a vontade de muitos, manter o meu perímetro de privacidade livre de perigo. E apesar de não me sentir integrado no seio de uma família unida sinto que mantenho uma relação de respeito e amor com algumas das células autónomas desta mesma família.
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