quarta-feira, janeiro 26, 2005

Organizando as ideias...

Eram perto das quatro da manha quando acordei sobressaltado com um barulho na sala. Pelo som consegui identificar um sem número de pequenas peças metálicas espalhadas pelo chão. A única reacção que eu consegui ter aquela hora da manha foi virar-me para o outro lado e tentar voltar a adormecer. Fosse o que fosse que a gata tivesse deitado ao chão certamente quando me levantasse ainda lá estaria, à minha espera, para arrumar. E assim, na esperança de que este episódio não passasse de um sonho, voltei a adormecer.

Quando me levantei, após a minha rotina matinal, pude constatar que tinha a minha caixa de parafusos espalhada pelo chão. Sentei-me e comecei a juntá-los para os poder arrumar. Esta tarefa pode ser feita de duas formas: a primeira é arranjar um frasco jeitoso e meter tudo lá para dentro, a segunda é pegar numa caixinha de compartimentos e com alguma paciência organiza-los. A segunda hipótese além de ser esteticamente menos repugnante também aumenta a probabilidade de algum deles vir alguma vez a ser usado. Então mãos à obra: toca a apanhá-los e a separa-los. Primeiro separamos os parafusos das porcas e dos pregos. Depois nos compartimentos distribuímos parafusos autoroscantes para madeira, de rosca normal para madeira, de rosca normal para bucha, pregos de aço para cimento, pregos regulares para madeira e acabaram-se os compartimentos. Ainda faltam as porcas, as buchas e mais um sem número de peças que poucos conseguem identificar.

Tentar organizar uma caixa de parafusos é como tentar arrumar as ideias na nossa cabeça. Quando mais pensamos no assunto mais complexa a tarefa se torna. E para aqueles que já estiveram perto de completar uma destas tarefas sabe que a ultima peça a aparecer nunca se encaixa em nenhuma das categorias organizativas que criámos. E é ai que a realidade física se torna mais fácil, deita-se o parafuso intruso fora e assunto arrumado. O problema é quando se trata da nossa realidade emocional. Infelizmente ainda não consegui fazer um up-grade do meu cérebro para adquirir a função “Delete”.

Apesar de já se terem passado alguns dias desde o incidente com a festa de família, que vos relatei, as ideias na minha cabeça ainda não estão completamente assentes. E quanto mais eu penso nelas e as tento arrumar, mais caótica fica a minha cabeça. A sensação, depois de uns momentos de introspecção, é a mesma que temos depois de olhar para um frasco de parafusos numa prateleira. Alem de esteticamente ser deprimente ficamos sempre com a sensação, mesmo quando não corresponde à realidade, que os parafusos estão ferrugentos e a precisar que alguém os leve para a reciclagem.

No fundo o meu problema é desejar utopicamente sentir-me integrado numa família. Todos nós, enquanto animais, nascemos com o instinto de procurar a protecção perto dos nossos progenitores e como seres humanos tentamos alargar este sentimento de segurança à nossa família. Mas quando as vivências são diferentes, a maneira de estar perante a vida também é diferente. E quando isto acontece temos que por de parte a ideia padronizada de que uma família unida é aquela em que todos participam e divertem-se em rituais, nomeadamente os almoços de família e contextualizar o conceito. Pessoalmente acho que o meu conceito de família passa pelo respeito que as pessoas demonstram pela personalidade e espaço do próximo. Só quando uma pessoa sente que os seus princípios e a sua vivência são respeitados é que pode se sentir integrado no seio de uma família unida.

Só para deixar claro: não me considero a vítima da situação. Até porque felizmente gozo da minha liberdade e consigo, contra a vontade de muitos, manter o meu perímetro de privacidade livre de perigo. E apesar de não me sentir integrado no seio de uma família unida sinto que mantenho uma relação de respeito e amor com algumas das células autónomas desta mesma família.

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