domingo, janeiro 23, 2005

Fantasmas do passado

A mensagem do Voice Mail dizia assim:

“Tem uma mensagem nova. Para ouvir carregue na tecla 1. Recebida às 18 horas e 03 minutos: Toddy, não merecia que me fizesses isto. Eu já te ajudei. E podes vir buscar a tua flor, eu não a quero, ou então vou deixa-la ai à tua porta.” A voz ofendida e enraivecida tentava esconder as lágrimas de alguém que foi magoado.

Apesar de me considerar uma pessoa fria e calculista, não pude deixar de me sentir tocado por esta mensagem. Afinal era da minha avó e sem sombra de duvidas tinha lhe conseguido atingir o calcanhar de Aquiles, no caso da minha avó os famosos almoços ou jantares de família. Uma vez mais tinha arranjado uma desculpa para não aparecer, mas desta vez tinha sido sem dúvida demasiado esfarrapada.

Como uma pessoa calculista que sou, logo comecei a deduzir uma boa explicação para me explicar a mim próprio a razão de tal golpe baixo. Afinal, não só eu tinha feito a desfeita de não aparecer ao almoço, como também fi-lo da forma mais covarde que existe: fui comprar comida para os gatos e aproveitei a oportunidade para deixar a dica “Vô, entregue esta planta à Vó e diga-lhe que eu vou hoje para o Porto e amanha não devo estar cá antes da hora de almoço.”. Pois é, nem tive a coragem de lhe olhar nos olhos para dizer isto. Isto já é um hábito, não que me considere um cobarde, mas tenho a terrível tendência de tentar agradar a toda a gente. Por vezes fico com a sensação que acredito que a minha realização pessoal dependa do facto de todas as pessoas me considerarem um rapaz bem-educado e amoroso. No fundo sei que não é verdade, mas a julgar pelos meus actos parece que sim, parece que realmente acredito que a minha função neste mundo é agradar a Gregos e Troianos. Mas desta vez, o tiro saiu pela culatra, e a minha mentirinha piedosa conseguiu magoar mais do que se eu tivesse sido directo e tivesse dito “Não vou, porque não gosto de almoços de família.”.

Não consigo deixar de me censurar por estar a causar tanto alarido à volta de um simples almoço. Afinal eu não almoço diariamente? E as pessoas que se reúnem? São minha família, alguns com quem mantenho uma relação muito próxima, outros que simplesmente mantenho uma relação. Indo directamente ao cerne da questão: o problema coloca-se por eu ser tão introvertido e não me conseguir sentir à vontade nestas situações. Depois é a velha questão de, que toda a gente conhece, que quem vai a três almoços destes já sabe como são os outros todos. Para finalizar, há o inconveniente de eu ser abstémio. Ou seja, voltando ao início para deixar tudo bem claro, o meu lugar num jantar destes é quietinho e caladinho num canto. Na tentativa máxima de passar despercebido pois, no caso de alguém reparar na minha presença, as perguntas sobre quando é que vou acabar o curso, tão inconvenientes para alguém que o tem prolongado mais que o suposto, vão acabar por aparecer. Logo a seguir, aproveitando a dica de ser estudante, é questionado o porquê de não visitar a família mais vezes. E não vale a pena tentar elevar a voz acima de algumas conversas cruzadas pois, quando tentar responder justificando-se que o número de visitas deve-se acima de tudo ao exemplo familiar, a conversa já está sintonizada noutra estação. Para rematar, vem a questão do álcool. Afinal é incompreensível que uma pessoa, que já tem idade para beber um copo de vinho, seja um desmancha-prazeres e continue com a teimosia de ser abstémio. Às vezes questiono-me se realmente cresci neste seio familiar? Será assim tão confuso para as pessoas, particularmente a minha avó, compreender que eu sou abstémio por opção? Será que é assim tão difícil as pessoas verem os casos de alcoolismo que há na familia? Eu não consigo esquecer a minha infância. O facto dos meus pais ainda não se terem divorciado deve-se ao imenso amor que nutrem um pelo outro que os ajudou a ultrapassar os problemas causados pelo álcool. Perdoem-me esta obsessão mas é dificil olhar para um copo de vinho e esquecer-me das intermináveis discussões que eu tive de ouvir por causa de outros iguais àquele. O facto de a minha avó paterna ter falecido porque o meu avô embriagado a empurrou pelas escadas abaixo quando ela estava grávida de alguns meses também é daquelas hestórias que ouvimos e que nunca esquecemos. E mesmo quando estamos determinados a tentar afugentar os nossos fantasmas ficamos impotentes perante o cenário final destas refeições. Em que observamos aqueles casos de pais extremosos que insistem em conduzir com as crianças no banco de trás, mesmo depois de tropeçar nas escadas por estar a ver mais degraus que havia na realidade. E depois disto, perdoem-me a sinceridade, mas eu não consigo deixar de sentir nojo quando oiço alguém dizer: “branco ou tinto, que seja muito”.

1 comentário:

Pipinho disse...

Nelitoooo...benvindo á blogosfera =D
É verdade..as reuniões de família costumam ser uma seca, mas enfim, por vezes temos de as aturar, quanto mais n seja pra ficarmos bem vistos plas avós e depois elas nos darem a bela da guita no Natal =D